O navio naufragado no século V, descoberto perto de Ses Fontanell e ligado a Cartagena, será içado no próximo ano e preservado para exposição pública. Os arqueólogos esperam que a sua carga acrescente um novo capítulo à história do comércio romano no Mediterrâneo tardio. Ao longo dos séculos, milhares de banhistas nadaram nas águas azul-turquesa da praia de Palma, em Maiorca, sem suspeitar que, a poucos metros abaixo dos seus pés, repousava uma das descobertas arqueológicas mais notáveis do Mediterrâneo ocidental: um navio mercante romano do século IV d.C. Quase intacto e carregado com ânforas de azeite, vinho e garum, o famoso molho de peixe fermentado que era o ouro líquido da gastronomia romana.
Este tesouro subaquático, conhecido como naufrágio de Ses Fontanelles, foi descoberto acidentalmente em 2019 pelo mergulhador local Félix Alarcón, que já encontrou mais de um tesouro no fundo do mar. A sua descoberta desencadeou uma onda de investigações científicas que, hoje, graças ao projeto Arqueomallornauta e ao apoio do Consell de Mallorca, serão concluídas com a extração definitiva em 2026, o que constituirá um marco importante na preservação do património subaquático da Europa.

Um achado fortuito que mudou a história
Uma tempestade de verão agitou a areia no fundo do mar e revelou fragmentos de uma árvore antiga. Pouco depois, a equipa de arqueólogos do projeto Arqueomallornauta, um projeto conjunto das universidades de Barcelona, Cádiz, Valência e Ilhas Baleares, confirmou que se tratava de um navio romano com 12 metros de comprimento e 5 a 6 metros de largura, quase perfeitamente conservado graças ao ambiente sem oxigénio sob a areia. Posteriormente, a datação determinou que o naufrágio ocorreu aproximadamente em 320 d.C., graças à descoberta, sob o mastro, de uma moeda cunhada em Siscia (atual Croácia), o que indica o ritual romano de fundação, segundo o qual enterrar uma moeda sob o mastro trazia boa sorte ao navio.
A análise petrográfica das ânforas indica que o navio partiu de Cartago Espartaria (atual Cartagena), um dos principais portos romanos na Espanha. A carga, composta por mais de 300 ânforas — e, felizmente, muitas delas totalmente intactas e seladas — transportava azeite, vinho e garum, bem como outros produtos enlatados. Como se não bastasse o facto de as ânforas terem sido encontradas em perfeitas condições, incluindo o seu conteúdo, muitas delas também têm inscrições pintadas indicando o seu conteúdo, fabricante, origem e até mesmo os impostos cobrados sobre o produto (essas inscrições, usadas na antiguidade, são conhecidas como titulus pictus e, segundo os especialistas, são uma das mais valiosas de todo o mundo romano).
Garum: a estrela da carga
Entre as ânforas, foram identificadas novas tipologias, como o tipo Ses Fontanelles I, exclusivo deste naufrágio. No seu interior, a análise de resíduos orgânicos revelou vestígios de liquaminis flos, uma variedade premium de garum, muito apreciada na Roma Antiga, que era produzida principalmente a partir de anchovas (Engraulis encrasicolus) e, em menor grau, de sardinhas. Há também ânforas com azeite, vinhos ou mostos fermentados para conservar frutas. Além disso, em alguns selos cerâmicos foram encontrados símbolos cristãos, o que permite supor que parte da carga poderia ter sido enviada pelas autoridades eclesiásticas durante o período de transição religiosa no Império.

Mais do que ânforas
Além da carga, os arqueólogos descobriram objetos pessoais, como uma lâmpada de óleo com a imagem da deusa Diana, dois pares de sapatos (um de couro e outro de palha), cordas, restos vegetais e uma broca para arco, usada para reparar navios. O estado do casco do navio é excepcional, pois a embarcação foi enterrada na areia logo após o naufrágio, o que impediu a decomposição dos materiais orgânicos.
Preparação para a recuperação em 2026
Embora inicialmente se pensasse que o navio estava completamente preservado, investigações posteriores confirmaram que a quilha estava perdida. Isto obriga a planear a recuperação por partes, um processo meticuloso que será supervisionado por especialistas do Museu Nacional de Arqueologia Subaquática (ARQUA), que se juntou recentemente ao projeto. De acordo com o plano apresentado em outubro de 2025 nas Jornadas Internacionais de Arqueologia Marinha em Palma, a recuperação começará em 2026 e durará vários anos (os especialistas estimam que levará pelo menos cinco anos). Os fragmentos de madeira serão levados para o Castelo de San Carlos, onde serão dessalinizados e estabilizados antes da restauração.
